Entrevista com a psicanalista e escritora Taiasmin Ohnmacht
- Priscilla Machado de Souza
- 8 de mar. de 2021
- 3 min de leitura

Priscilla: A literatura negra tem estado em voga nos últimos anos, como resultado de diversas pressões sociais que a fazem hoje compor o espectro do que a intelectualidade contemporânea – em grande parte branca – consome. Como você vê este movimento? Reparação ressentida, uma brisa que antecede os bons ventos da mudança, nicho de mercado…?
Taiasmin: A literatura negra tem encontrado maior espaço no mercado editorial, mas vem de longe iniciativas como dos Cadernos Negros, que há 4 décadas tem publicado autores negros. No entanto, entendo que uma característica do momento atual é o surgimento de um público para esta literatura, e este público é formado em sua maior parte por leitores também negros que buscam uma literatura que produza um rompimento com as histórias únicas que dominaram o mercado editorial (e que ainda tem um espaço privilegiado). A minha percepção é que a formação de um público de leitores negros tem muito a ver com as ações afirmativas nas universidades.
É claro que muitos veem nisso um nicho, o que acaba por atrair projetos editoriais sem maiores comprometimentos políticos. Mas a recepção que a literatura negra está tendo vai muito além disso, e quem sustenta esta maior visibilidade são sobretudo as leitoras e leitores negros.
Priscilla: Como foram os seus primeiros contatos com a literatura? E seus primeiros encontros com a escrita?
Taiasmin: Livros sempre estiveram presentes em minha casa. A minha mãe lê muito, chega a fazer listas de livros que leu durante o ano, mas foram as aulas de literatura do colégio que me despertaram enquanto leitora, primeiro o gosto primeiro pela poesia, depois pela prosa.
A escrita vem em decorrência da leitura, comecei a escrever por volta dos 10 anos de idade, ler despertava minha imaginação e eu sentia a necessidade de contar minhas próprias histórias.
Priscilla: Em seu livro Visite o Decorado (Figura de Linguagem, 2018) a narrativa nos conduz a supor as insígnias da negritude na protagonista que recém realiza a ascensão social que a leva ao condomínio chique. No fim, não é bem assim… Como é seu processo criativo e o trabalho com as torções do esperado?
Taiasmin: Em geral, é justamente o momento de torção que me vem a mente em primeiro lugar, é isto que me instiga a escrever, é em torno do que construo a trama, é o que poderia ser traduzido como um E Se. Contudo, demoro um pouco para desenvolver no papel. A ideia de que há uma história que poderia ser escrita fica me acompanhando por bastante tempo e obsessivamente antes de decidir que é possível transformá-la em narrativa, mas depois de decidido passo a dedicar quase todo meu tempo livre à escrita.
Priscilla: Seu livro acaba abordando um tema que tem sido caro à psicanálise: a lógica da vida condominial. No seu entender, como este estilo de vida nos atravessa e repercute?
Taiasmin: Temos perdido a capacidade de conviver com a diferença e a contradição. De algum modo, parece que se prima pela simplificação ao ponto de desqualificar o pensamento complexo, e eu acho que a lógica do condomínio tem um tanto disso, manter do lado de fora tudo o que pode questionar nossas certezas.
Mas preciso dizer que li textos psicanalíticos sobre a lógica condominial, por isso, embora seja uma história ficcional, houve algum diálogo com a psicanálise durante a escrita, talvez estes textos tenham até me inspirado, na verdade.
Priscilla: Além da prosa, você tem uma forte atividade como poeta. Como o particular desta escritura está presente em sua vida?
Taiasmin: Comecei escrevendo poemas, inicialmente para dar conta das minhas dores de amor da adolescência. A linguagem poética me ajudou a suportar as estranhezas que encontrei durante meu crescimento. Até hoje é para mim a linguagem mais íntima. Com o tempo fui fazer oficinas de poesia e descobri outras autoras e autores, passando a ver a construção de poemas a partir de outras perspectivas. Mas ainda tenho momentos de escrita que são só meus e só para mim.
Priscilla: E a psicanálise? Ela soma ou “some” com a sua atividade literária?
Taiasmin: É difícil para mim perceber a psicanálise em minha atividade literária, percebo que alguns textos da área às vezes me inspiram à escrita, mas não é uma relação direta. Quanto à minha atividade clínica, procuro manter o mais distante possível da construção de minhas narrativas. Tenho receio de buscar, ainda que sem intenção, histórias que escuto no consultório. O que mais acontece é eu emprestar elementos de minha própria vida para as histórias e, neste sentido, acho que minha análise pessoal, essa sim, produz muitos de meus movimentos como escritora.
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